As rápidas (e profundas) transformações nas relações de trabalho nos últimos 20 anos é, sem sombra de dúvida, incomparável na história das relações humanas. A cada pequeno avanço tecnológico, um gigantesco horizonte de novas possibilidades, conexões e dinâmicas se ramificam e se entrelaçam diante de nós. Já é um lugar-comum o trabalho sem escritórios, sem fronteiras. Havendo uma conexão com a internet, podemos nos comunicar de, basicamente, qualquer lugar do mundo e, para muitos, o mundo é o novo escritório. Nossa capacidade de nos movermos, de estar em outras partes do globo e ainda assim conectados com nossas obrigações profissionais é parte do grande processo de revolução na comunicação e informação que ainda não somos capazes de dimensionar, pois somos parte dela, estamos inseridos nessa mudança de paradigma.
O isolamento gerado pelo lockdown durante a pandemia de 2020 só acelerou o processo. Segundo relatório do Ipea PNUD Covid-19, nos últimos dois anos cerca de 10% dos trabalhadores brasileiros ativos exerceram suas atividades na modalidade de trabalho remoto. Ainda que pareça um percentual baixo se comparado a outros países no mesmo período, esse número se torna mais significativo quando consideramos a existência de um perfil específico de profissionais aptos a trabalhar nessa modalidade. As atividades realizadas através do trabalho remoto, em sua grande maioria, estão relacionadas a profissões da área administrativa, criativa, gerencial, acadêmicas, trabalhos de natureza predominantemente intelectual e processual, que podem ser realizados num computador conectado à internet. Profissionais com nível superior completo possuem 23% a mais de chance de estarem em trabalho remoto, e o perfil médio dos trabalhadores em home office é, na maioria, formada por mulheres (57,8%), pessoas que se declaram brancas (65,3%), com escolaridade de nível superior completo (76%), na faixa de 30 a 39 anos (31,9%) que trabalham no setor privado (61,1%).
É neste contexto de profundas transformações nas relações diárias e no cenário de trabalho global que o termo “Nomadismo Digital” ganha forma, e vem a pauta com força crescente em uma nova dinâmica de trabalho remoto. Aqui, devemos fazer um pequeno parêntese para pontuar algumas diferenças: primeiro, todo home office é trabalho remoto, mas nem todo trabalho remoto é considerado um home office. O home office é, por assim dizer, o trabalho remoto com endereço certo: a residência do funcionário. Para ser caracterizado como trabalho remoto, basta não estar no escritório ‘oficial’: seja num café, restaurante, em um espaço de coworking ou parque público, todo ambiente com internet e estrutura física básica para a realização das atividades de trabalho se enquadra nesta categoria. Apesar de ser um termo já universalizado, no mundo corporativo, quando falamos de home office, geralmente estamos nos referindo a um funcionário de uma empresa que, ao invés de ir ao escritório, está trabalhando de sua casa todo dia ou alguns dias da semana (modelo híbrido).
Mas quando falamos de trabalho remoto, passamos a incluir aí não apenas os funcionários de uma empresa, mas também os autônomos, profissionais liberais e empreendedores em geral. E são especialmente esses que compõem o grupo específico de profissionais - que surgiu e se ampliou a partir da transformação digital - a quem chamamos de “nômades digitais”, um termo que denota movimento, mobilidade, estar em trânsito - e sempre conectado.
Trabalhar viajando, viajar trabalhando, poder se mover geograficamente, se adaptando à diferentes cultuas, fusos horários e produzindo quando e de onde estiver. Mas mesmo essa mobilidade e liberdade, sonhada por tanta gente, tem suas demandas burocráticas relacionadas ao país onde o nômade se encontra. Questões que envolvem, por exemplo, vistos e consequente autorização de residência temporária, bem como toda documentação necessária para obtenção do documento e, não menos importante, as leis tributárias locais.
Recentemente, em janeiro de 2022, o Brasil regulamentou a concessão de visto temporário para nômades digitais no país (Resolução Normativa 45/21). Assim como acontece para outros tipos de vistos, o nômade digital no Brasil precisa cumprir uma série de requisitos legais, como comprovação de vínculos empregatícios, critérios de renda mínima, dentro outros. A ele se aplicará também as regras e leis fiscais do país, sobretudo a regra que determina que o estrangeiro se tornará residente fiscal no Brasil na data em que completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no país, dentro de um período de até doze meses. É muito importante ressaltar também que o Brasil tributa seus residentes fiscais com base mundial, ou seja, há incidência de imposto sobre rendimentos recebidos no exterior, além da obrigação da entrega da Declaração de Imposto de Renda (IRPF). Cabe ressaltar, ainda, os diversos acordos internacionais para se evitar a bitributação dos quais o Brasil é signatário, que, a depender da nacionalidade do nômade digital, devem ser aplicados no caso de residência fiscal.
Neste ponto, para além de um certo romantismo relacionado à condição do nômade digital, as relações de permanência podem se complexificar, sobretudo quando tratamos de obrigações fiscais brasileiras. Dessa forma, é altamente recomendado que o nômade digital esteja atento ao seu tempo de estada em solo brasileiro e procure profissionais ou empresas especializadas tanto no processo de legalização de sua estada, bem como na orientação fiscal para esses casos.
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